O caso de homem que solicita a eutanásia após ter sofrido uma lesão medular durante um tiroteio com a polícia abriu um debate inédito na Espanha: se o direito à eutanásia se choca com o das vítimas para que o acusado seja julgado antes de morrer.
O homem em questão, acusado de atirar contra três colegas do trabalho como vigilante e um policial, está em prisão preventiva no Hospital Penitenciário de Terrassa, no nordeste do país.
Uma juíza concedeu na semana passada a eutanásia solicitada por este homem, que sofreu uma lesão medular depois de ter sido baleado pela polícia enquanto se entrincheirava em uma pequena propriedade rural abandonada, mas a medida conta com a oposição dos advogados das vítimas que ele alvejou.
Segundo especialistas jurídicos consultados pela Agência Efe, a situação coloca um embate entre dois direitos fundamentais do país: a eutanásia, entendida pela Espanha como parte do direito à vida, e o direito das vítimas a uma proteção judicial eficaz por um processo em que o acusado poderia tê-las matado.
COMPLEXIDADE
O advogado criminal Albert Carles Subirats analisou que nem a lei sobre a eutanásia, nem a lei sobre o processo penal preveem limitações à eutanásia, razão pela qual reconhece a complexidade da questão jurídica.
Subirats explicou que o que a juíza faz é se abster do debate e autorizar a eutanásia com base na “dignidade” do acusado, que sofre de uma lesão intratável que lhe causa grande sofrimento.
Além disso, detalhou que uma proteção judicial eficaz também protege o direito à vida das vítimas, cuja integridade foi colocada em risco pelo ataque do acusado, e que merecem o reconhecimento da sua dignidade.
“Para equilibrar, quando se tem um conflito de direitos é preciso procurar uma solução proporcional” satisfatória para compensar todas as partes, comentou Subirats, ao opinar que “a coisa certa a fazer seria ir a julgamento”, o que pode levar “um ano, um ano e meio”.
O advogado Alejandro Gámez defendeu que a decisão deve ser tomada com “proporcionalidade”, motivo pelo qual desaconselha o prolongamento do sofrimento do suposto perpetrador porque “a satisfação que as vítimas obterão não compensa a crueldade”.
Gámez disse que o acusado usufrui da presunção de inocência e que é possível que seja absolvido. Neste caso, seria questionado o objetivo do sofrimento adicional.
José Antonio Bitos, advogado que representa o policial ferido, argumentou que as vítimas têm o direito “de ter os fatos julgados e de obter uma sentença”.
– Um assassino, ou suposto assassino neste caso, não pode se esquivar do julgamento nem de uma condenação mediante uma eutanásia – segundo Bitos, que exige que a eutanásia seja interrompida.
Nos autos, a juíza afirma que “compreende o sofrimento” das vítimas, mas acrescenta que “podem obter parcialmente uma indenização de outras formas, embora não obviamente nos termos desejáveis”.
A Espanha se tornou no ano passado um dos poucos países a legalizar a eutanásia, que pode ser solicitada por adultos com doenças graves e incuráveis, envolvendo sofrimento físico ou psicológico intolerável, sempre com a aprovação de uma comissão de médicos e juristas.
*AE