O presidente da Rússia, Vladimir Putin, subiu o tom contra o Ocidente em um raro discurso público, nesta quinta-feira (27). Sem citar diretamente a Ucrânia ou a guerra no discurso de abertura, Putin acusou os países ocidentais, em especial os Estados Unidos, de quererem a dominação mundial e utilizar a Rússia como a ferramenta.
Segundo ele, Moscou está apenas defendendo seu “direito de existir”. Ao mesmo tempo, um alto funcionário russo levantou a possibilidade de Moscou destruir satélites comerciais do Ocidente que estão sendo utilizados na guerra da Ucrânia.
– Fizeram pressão em nossas fronteiras, e para quê? O objetivo era pressionar a Rússia e transformar a Rússia em ferramenta para atingir seus objetivos de dominação – declarou Putin.
A fala ocorreu durante seu discurso anual no Valdai Discussion Club, instituto de pesquisa afiliado ao Kremlin, que reúne acadêmicos, diplomatas e políticos desde 2004.
– Ninguém quer ser uma ferramenta. Sanções são impostas a elas […] E no fim, se eles não tiverem sucesso, o objetivo principal é destruir. Mas isso não aconteceu com a Rússia e nunca vai acontecer – disse.
Várias vezes, o presidente acusou os países da Otan de quererem impor uma única cultura, poder e dominação sobre os demais países, em um aceno para outras nações como China, Irã e regiões como África e América Latina. Em suas palavras, a Rússia está oferecendo uma alternativa de sociedade que não a ocidental.
– A Rússia não está desafiando, mas simplesmente defendendo seu direito de existir. A Rússia não quer ser uma nova potência, simplesmente quer um mundo multipolar. O Ocidente deu vários passos em direção à escalada e eles estão sempre tentando escalar. Não há nada de novo aí. Eles estão alimentando a guerra, organizando políticos em torno de Taiwan, desestabilizando os mercados mundiais de alimentos e energia – falou.
Ele também apontou a Rússia como amiga de outras nações que apontou ser “as minorias” do mundo.
– Domínio do mundo é precisamente o que o Ocidente decidiu apostar neste jogo. Mas este jogo é perigoso, sujo e sangrento. Ele contesta a soberania dos povos e nações, sua identidade e singularidade e não tem qualquer consideração pelos interesses de outros países.
EXPECTATIVAS
O anúncio de que Putin discursaria no evento desta quinta-feira gerou expectativa em observadores internacionais por se tratar de uma rara oportunidade de ouvir o líder russo delinear sua visão de mundo sem o uso de intermediários e avaliá-lo, principalmente em um momento em que a Rússia enfrenta dificuldades no campo de batalha e aumenta a retórica sobre o uso de uma “bomba suja” pela Ucrânia contra seu próprio território, o que o Ocidente aponta para o risco de abrir brecha para uma operação de bandeira falsa.
Putin negou que pretenda utilizar bombas nucleares ou que Moscou esteja utilizando a bomba suja como bandeira falsa para escalar a guerra. Quando questionado se utilizaria armas nucleares, Putin disse a Rússia nunca disse abertamente que utilizaria o armamento, apenas colocou na mesa que todas as opções são consideradas em caso de agressão ao Estado russo, Estado este que ele incluiu a Ucrânia, como pertencente à “uma só Rússia”.
Putin se tornou o mais alto funcionário russo a fazer alegações infundadas sobre o uso de uma “bomba suja” pela Ucrânia. Durante uma reunião virtual com representantes de ex-repúblicas soviéticas, o presidente disse que o risco de conflito era alto na região e em todo o mundo.
– Também se sabe sobre os planos (de Kiev) de usar a chamada bomba suja como provocação – disse ele.
Os governos ocidentais descartam as alegações russas sobre o tema, e alertam que podem ser um pretexto para a Rússia usar armas nucleares táticas contra o país vizinho.
– O único país que usou uma arma nuclear contra outro país foi os EUA. Usaram duas no Japão – afirmou Putin aos convidados de seu discurso.
Ele também negou as acusações de que os soldados russos estariam ameaçando a usina nuclear de Zaporizhzhia.
– Eles são loucos? Nós controlamos Zaporizhzhia.
E defendeu que a AIEA inspecione as usinas para encontrar a suposta bomba suja.
O Kremlin também inflou a expectativa sobre o pronunciamento de Putin. O porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, disse a repórteres na quarta-feira (26) que o discurso de Putin no Valdai seria um evento importante.
– Haverá um extenso discurso; haverá uma discussão – disse.
A sessão plenária de Valdai tradicionalmente serviu como uma das janelas mais amplas para a visão do presidente russo sobre relações exteriores e geopolítica. Muitas vezes, é um raro momento de questionamento improvisado de analistas e jornalistas independentes, incluindo aqueles do Ocidente.
ATAQUES A SATÉLITES OCIDENTAIS
Enquanto isso, um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse à ONU que satélites comerciais do Ocidente podem se tornar alvos legítimos da Rússia se estiverem envolvidos na guerra na Ucrânia.
Konstantin Vorontsov, vice-diretor do departamento de não proliferação e controle de armas do Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse ao Primeiro Comitê das Nações Unidas que os Estados Unidos e seus aliados estariam utilizando o espaço para impor sua dominação, segundo reportou a agência Reuters.
– A infraestrutura quase civil pode ser um alvo legítimo para um ataque de retaliação.Estamos falando do envolvimento de componentes da infraestrutura espacial civil, inclusive comercial, pelos Estados Unidos e seus aliados em conflitos armados – falou.
Ele não citou nenhum satélite ou empresa específicos. No entanto, recentemente, o empresário Elon Musk ameaçou cortar seus satélites da Starlink, da Space X, da Ucrânia por dificuldade de financiamento. Musk chegou a enviar um carta ao Pentágono pedindo que o governo assumisse o serviço que é essencial para os soldados ucranianos se comunicarem na guerra.
A Rússia tem ampliado seus ataques a infraestruturas essenciais da Ucrânia, como energia, utilizando especialmente os chamados drones kamikaze do Irã. Os recentes ataques têm levado à Ucrânia a considerar fazer apagões programáticos para poupar energia.
*AE