A Lei das Eleições impõe tanto aos candidatos que disputam eleições majoritárias quanto aos concorrentes em eleições proporcionais o dever de prestar contas à Justiça Eleitoral nos prazos fixados pela legislação, de modo a permitir ao Poder Judiciário aferir a legalidade dos recursos captados pelo candidato e da respectiva destinação dada a tais recursos.
Após submeter as contas à Justiça Eleitoral, três podem ser os vereditos do Poder Judiciário: a aprovação das contas; a aprovação com ressalvas, nos casos em que houver irregularidade de menor importância; e, finalmente, a desaprovação.
Anteriormente, o TSE entendia que a desaprovação das contas dos candidatos importava na impossibilidade de obtenção da certidão de quitação eleitoral, documento indispensável ao registro de candidatura, impedindo, desse modo, que candidatos com contas desaprovadas pudessem disputar a eleição subsequente. A partir de 2009, no entanto, em virtude alteração legislativa posterior, o Tribunal passou a entender que apenas a não apresentação das contas produzem ausência de quitação eleitoral, podendo o candidato com as contas desaprovadas, a menos a princípio, disputar regularmente cargos eletivos.
Atualmente, portanto, o problema maior para os pré-candidatos reside em decisão da Justiça Eleitoral que considerou não prestadas as contas de campanha referentes ao pleito anterior. Uma vez nesta situação, firmou o TSE em sua Súmula n. 42 o entendimento segundo o qual o candidato fica impedido de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, persistindo esses efeitos, após esse período, até a efetiva apresentação das contas.
Exemplificando, caso um candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020 tenha suas contas julgadas não prestadas, ficará até 31 de dezembro de 2024 impedido de obter certidão de quitação eleitoral, data que coincide com o término do mandato disputado. E mesmo após esse prazo, continuará inadimplente perante à Justiça Eleitoral até formalizar a respectiva prestação mediante o requerimento de regularização de omissão de contas eleitorais de que fala o art. 80, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.
Neste cenário, a iniciativa de partido que venha a registrar a candidatura de filiado nestas condições poderá comprometer seriamente o sucesso da chapa proporcional, uma vez que a Justiça Eleitoral tem reiteradamente decidido pelo indeferimento da candidatura de concorrente desprovido de quitação eleitoral.
O mais provável neste quadro é que à luz da jurisprudência consolidada, o juízo eleitoral da Comarca e o respectivo TRE em grau de recurso venham a indeferir o registro da candidatura ainda durante o curso do processo eleitoral, dado que a Lei das Eleições (art. 16, §1º) estabelece o dever de as instâncias ordinárias julgarem todos os pedidos de registro de candidatura até 20 dias antes da data da eleição. Nesse caso, o partido não poderá contar com os votos do candidato cuja candidatura foi indeferida para a formação do quociente eleitoral.
É possível cogitar, bem verdade, a possibilidade de o candidato disputar sub judice, ainda mais considerando a recente decisão do STF no julgamento conjunto das ADI’s 4.513 e 4.542 e na ADPF 223, na qual o Supremo passou a entender válidos para fins de formação do quociente eleitoral do partido os votos obtidos por candidato sub judice que à data da eleição gozava de registro de candidatura deferido ou não apreciado, ainda que haja posteriormente ao pleito o indeferimento.
Mas no caso do candidato com contas julgadas não prestadas, é difícil prever um cenário no qual decisão liminar permita-lhe chegar no dia da eleição com registro deferido, dado o teor incontestável da Súmula n. 42. O próprio TRE-PE, por exemplo, indeferiu inúmeros registros de candidatos que pretendiam disputar as eleições de 2022 mesmo tendo as contas referentes as eleições de 2020 julgadas não prestadas, como são exemplos o RCand n. 060166116, o RCand n. 060176508 e o RCand n. 060139614.
Dessa forma, o partido que planeja-se para a disputa neste ano considerando hipotética votação de candidato cujas contas referentes às eleições de 2020 foram julgadas não prestadas – ou mesmo que tenha como não prestadas contas de eleições anteriores, mas que ainda não tenha realizado o requerimento de regularização – poderá ter sérios problemas para a formação do desejado quociente eleitoral, colocando em risco até mesmo candidaturas competitivas que podem não chegar a vitória em razão da ausência dos votos de candidato impedido de obter quitação eleitoral.
Miquéias Rodrigues é advogado eleitoralista, pós-graduando em Direito Constitucional e sócio do SMBR Advogados Associados. Instagram:@miqueiasfr.adv e @smbradvogados