“Titanic” foi o primeiro. Em março de 1998, pouco mais de dois meses depois de sua estreia, o filme de James Cameron atingiu o marco histórico de US$ 1 bilhão nas bilheterias. Foi um feito e tanto, ao mesmo tempo, celebrado e temido. O número marcou um dos melhores momentos do mercado cinematográfico, mas também estabeleceu uma meta perigosa, quase impossível de ser alcançada.
Nos próximos dias, “Divertida Mente 2” deve fazer parte do “clube do bilhão”. Com duas semanas em cartaz, a aventura produzida pela Pixar arrematou US$ 800 milhões, jogando um pouco de luz em um ano particularmente árido para negócios. Claro que o cinema não “está morrendo”, como gostam de alardear os profetas do apocalipse.
O mercado, contudo, não gerou uma coleção de blockbusters neste primeiro semestre. Os efeitos da greve dupla que freou a produção e a ressaca da pandemia, entre outros fatores, manteve muita gente em casa. Se alguns filmes respiraram tranquilos, como “Duna Parte 2” e o sucesso-surpresa “Bob Marley: One Love”, outras apostas patinaram bonito: “Argyle”, Madame Teia”, “O Dublê” e “Furiosa” não encontraram seu público.
Ah, o mercado, essa criatura abstrata que insiste em rugir e assustar produtores e executivos do cinema, mas que é inofensivo para a esmagadora maioria dos mortais. É um ciclo rotineiro quando alguns fracassos acendem um alerta, para logo em seguida os engravatados respirarem aliviados quando a grana entra pesado com um sucesso. O tal mercado, em espera eterna pelo “filme que vai salvar o cinema”, gosta desse morde-e-assopra.
Números, afinal, não ditam a qualidade de um filme, e sim o zeitgeist que transforma um pedaço de entretenimento em fenômeno pop. Claro que o “filme de 1 bilhão de dólares” tem um som muito doce, só que ele não pode ser previsto ou planejado. É uma aberração, uma coisa que, simplesmente, acontece. Como foi o caso de “Titanic”.
“Divertida Mente 2” será uma adição louvável à turma dos dez dígitos e um respiro para a Pixar, que recentemente foi vitimada por decisões estratégicas desastrosas por parte da Disney. “Dois Irmãos” foi lançado às vésperas da pandemia, e os três filmes seguintes do estúdio – “Soul”, “Luca” e “Red: Crescer É Uma Fera” – se tornaram produtos da plataforma de streaming Disney+. É problemático quando sua produção ganha cara de especial de TV.
O esperado retorno do estúdio aos cinemas foi com o equivocado “Lightyear”, que ninguém deu bola. “Elementos”, do ano passado, não comprometeu mas também não se tornou um marco pop como a maioria dos lançamentos da Pixar, fossem originais ou continuações. “Divertida Mente 2” recupera esse fôlego com louvor, e cravar US$ 1 bilhão das bilheterias parece uma ótima forma de coroar esse retorno.
Tudo isso, claro, não passa de números – e números são frios, estéreis. É importante lembrar que o sucesso de hoje pode mesmo ser apenas resultado de um momento (“Aquaman” e “Capitã Marvel” são filmes de 1 bilhão de dólares). Mais importante ainda é ter em mente que o fracasso de hoje pode ser o filme cult de amanhã. Um bom resultado nas bilheterias pode empolgar os homens do dinheiro, mas o cinema é muito mais do que isso.
O sucesso de “Divertida Mente 2”, vale ressaltar, ainda não é o suficiente para 2024 desligar o alerta. Até junho, as bilheterias nos Estados Unidos haviam despencado em 27% em relação ao ano passado. A falta de um fenômeno pop como o “barbenheimer” desloca a atenção dos cinemas para o streaming – nas últimas semanas minha bolha virtual tem pirado em cima de “The Boys” e “Casa do Dragão”. E nenhum filme em 2024 até agora causou tanto bafafá quanto “Bebê Rena”.
Ter um novo integrante no Clube do Bilhão redireciona o foco, mas é um fenômeno que precisa de continuidade. Talvez “Meu Malvado Favorito 4” possa seguir os primos da Pixar? Quem sabe “Deadpool & Wolverine” seja o respiro que a Marvel precise para recarregar as baterias? “Coringa: Delírio a Dois” terá motor para incendiar a plateia e encantar a crítica? Tantas perguntas, tantas perguntas.
A verdade é que o clube hoje já conta com muitos membros. Ao todo, 53 filmes faturaram mais de US$ 1 bilhão nas bilheterias mundiais, em sua maioria produções associadas a propriedades intelectuais poderosas e turbinados por uma máquina de marketing que transformam um pedaço de entretenimento em evento cultural. Curiosamente, somente um deles abre mão da fantasia para contar uma história, vá lá, ancorada no mundo real: “Titanic”.
Ah, seu negócio são números para ser o centro da conversa na mesa do bar? Então guarde essa tabelinha das dez maiores bilheterias mundiais. Ela vale bilhões!
- Avatar (2009) – US$ 2.923.706.026
- Vingadores: Ultimato (2019) – US$ 2.799.439.100
- Avatar – O Caminho da Água (2022) – US$ 2.320.250.281
- Titanic (1997) – US$ 2.264.750.694
- Star Wars: O Despertar da Força (2015) – US$ 2.071.310.218
- Vingadores: Guerra Infinita (2018) – US$ 2.052.415.039
- Homem-Aranha – Sem Volta Para Casa (2021) – US$ 1.922.398.800
- Jurassic World (2015) – US$ 1.671.537.444
- O Rei Leão (2019) – US$ 1.663.079.059
- Os Vingadores (2012) – US$ 1.520.538.536
Fonte: Portal Uol.