Em uma série de longas entrevistas ao New York Times, a líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, classificou a vida na clandestinidade como “um teste difícil” e afirmou que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, poderia obter uma “vitória na política externa” antecipada se tirasse o líder venezuelano, Nicolás Maduro, do poder.
María Corina galvanizou uma nação para vencer o autocrata nas urnas, passando meses cercada por pessoas e enchendo avenidas com apoiadores que se arriscavam a ser espancados e presos apenas para ouvi-la falar.
Agora, com Maduro acusado de fraudar a eleição e seu governo ameaçando prendê-la, María Corina Machado passou a viver em um esconderijo dentro do país. Como qualquer pessoa que a ajude pode ser detida, ou levar agentes do governo até ela, a opositora — que é alvo de investigações do Ministério Público, controlado pelo chavismo — disse que não recebe visitas há meses.
Apelidada de “Dama de Ferro” do país por sua firmeza e política conservadora, María Corina admitiu que “anseia por um abraço”. Sua mãe a incentivou a meditar, mas ela não o fez. Em vez disso, a ex-deputada trabalha sem parar, fazendo reuniões virtuais com ministros estrangeiros e organizações de direitos humanos, pedindo-lhes que se lembrem de que uma ampla coalizão de nações reconhece que o candidato escolhido por ela, Edmundo González, venceu a votação de julho por uma ampla margem e deve assumir o cargo em janeiro.
Poucas horas após a eleição, Maduro declarou vitória, mas sem apresentar nenhuma evidência que corroborasse tal resultado. Em resposta, a oposição coletou e publicou atas das urnas de mais de 80% das seções eleitorais. As contagens, segundo eles, mostra que González obteve quase 70% dos votos. Temendo por sua liberdade, González, 75 anos, fugiu para a Espanha em setembro.
‘Vitória na política externa’
Para María Corina, a Venezuela agora oferece algo extremamente tentador para o presidente eleito Donald Trump:
— Ema enorme vitória na política externa em um prazo muito, muito curto.
Segundo ela, Maduro agora está tão fraco — rejeitado por seu próprio povo, com fraturas internas no seu partido — que uma pressão feita por Trump e seus aliados poderia de fato levar o autocrata venezuelano a negociar sua própria saída. Essa campanha de pressão, segundo ela, poderia incluir a revisão do alívio das sanções implementadas por Joe Biden e a busca de novas acusações criminais contra seus aliados.
María Corina elogiou a escolha de Trump do senador Marco Rubio, da Flórida, para secretário de Estado dos EUA, responsável pela política externa, e do deputado Mike Waltz, da Flórida, para conselheiro de segurança nacional, cargos que serão fundamentais para definir a política dos EUA em relação à Venezuela.
Rubio, que María Corina conhece há mais de uma década, apostou sua carreira política, em parte, em uma abordagem sem concessões aos autoritários de esquerda na América Latina. Ele foi um dos arquitetos da política anterior de Trump em relação à Venezuela, que envolveu amplas sanções ao setor vital de petróleo e apoio a um jovem legislador, Juan Guaidó, que se auto-proclamou presidente interino do país.
A abordagem não conseguiu destituir Maduro, que rotulou Guaidó de fantoche dos EUA, e alguns analistas argumentam que ela até fortaleceu o autocrata, mostrando que ele poderia resistir a uma ofensiva total da nação mais poderosa do mundo.
Mas María Corina acredita que este momento é diferente. Maduro está financeiramente quebrado, disse ela, brigou com aliados importantes, como o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, e perdeu tanto apoio público que foi forçado a lançar sua mais brutal campanha de repressão para se manter no poder.
Talvez ainda mais relevante seja o fato de o povo venezuelano, segundo ela, estar agora amplamente unido em torno de um presidente democraticamente eleito: González.
María Corina ainda não conversou com Rubio ou Waltz após suas indicações, mas disse que as equipes deles e a dela estavam em “contato permanente”.
Questão de escolha
Embora muitos analistas digam que a recente eleição revelou as fraquezas de Maduro, poucos acreditam que o autocrata — que está sendo investigado por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional e pode ser preso se for deposto — tenha muito incentivo para sair.
— Ela [María Corina] diz: “Maduro não tem escolha, ele tem que negociar”. Acho que ele tem uma escolha, e sua escolha é permanecer no poder — disse Phil Gunson, analista do Crisis Group que trabalha na Venezuela há mais de duas décadas.
No primeiro mandato de Trump, Maduro caracterizou o presidente dos EUA como o inimigo imperialista nº 1. Mas, nos dias que se seguiram à vitória do republicano para um segundo mandato, o venezuelano expressou publicamente a esperança de que os dois pudessem trabalhar juntos.
Maduro claramente precisa que os Estados Unidos suspendam as sanções, enquanto Trump, que prometeu realizar deportações em massa, poderia usar a ajuda do líder venezuelano para cumprir sua promessa. Falando recentemente em um de seus programas de entrevistas, Maduro pediu um novo momento de relações “ganha-ganha”.
Não está claro se o governo de Maduro sabe a localização de María Corina.
— É difícil acreditar que eles não saibam — disse Laura Dib, especialista em Venezuela do Washington Office on Latin America. — Minha opinião é que eles conhecem o custo político de prendê-la e, em vez disso, estão apostando em desgastá-la.
Muitos líderes da oposição surgiram e desapareceram na Venezuela ao longo dos anos, mas poucos construíram uma coalizão tão ampla quanto María Corina. Filha mais velha de uma importante família de empresários do setor siderúrgico, ela passou cerca de duas décadas tentando tirar Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez, do poder.
Em 2002, ela fundou uma organização de direitos dos eleitores, a Súmate, que tentou, sem sucesso, destituir Chávez por meio de um voto de revogação. A Súmate recebeu financiamento dos EUA.
Foi apenas recentemente, após uma vitória esmagadora na primária da oposição em 2023, que María Corina emergiu como líder da oposição venezuelana. Quando o governo Maduro a impediu de concorrer nas eleições gerais, ela conseguiu colocar González na cédula de votação em seu lugar.
Na campanha, ela foi recebida quase como uma figura religiosa, muitas vezes vestindo branco, prometendo restaurar a democracia e reunir famílias separadas por uma crise econômica e migração em massa.
Esconderijo
Atualmente, escondida, ela acorda sozinha, cozinha e reflete sobre o futuro do país sozinha. Seus três filhos adultos moram no exterior, não se sabe quando ela os verá novamente. Quando aparece em vídeos compartilhados on-line, ela usa um fundo branco — um esforço, talvez inútil, para ocultar sua localização.
María Corina se recusou a dizer se poderia sair de casa. “É um teste difícil”, disse ela sobre o isolamento.
González, agora em exílio na Espanha, concentrou-se em promover a causa deles em reuniões com líderes europeus.
Nas entrevistas, a voz de María Corina frequentemente se acelerava a um ritmo quase de pânico, e ela expressava frustração pelo fato de algumas nações não estarem fazendo mais para isolar Maduro.
— Nós, venezuelanos, fizemos tudo o que a comunidade internacional nos pediu — disse ela, em referência aos milhões de pessoas que se arriscaram a sofrer retaliações para votar em seu movimento. — Agora é hora de a comunidade internacional fazer sua parte.
Cerca de 2 mil pessoas foram presas na repressão feita pelo governo de Maduro após a eleição, de acordo com o grupo de vigilância Foro Penal. Entre elas estão alguns dos assessores mais próximos de María Corina. Pelo menos duas pessoas morreram depois de serem levadas sob custódia e outras duas dúzias de pessoas foram mortas durante a onda de protestos que sucedeu à votação em julho. O fato de tantas pessoas estarem sofrendo depois de apoiá-la pesa muito.
— Quantas mortes a mais? — perguntou ela, falando alto. — Quantos desaparecimentos mais?
Ao pedir a Trump que ajude a restaurar a democracia em seu país, María Corina apela para um presidente eleito dos EUA que ainda se recusa a reconhecer o resultado de uma eleição que ele perdeu em seu próprio país em 2020.
A ex-deputado, porém, enfatiza que expulsar Maduro do poder é do interesse dos EUA “em termos de segurança hemisférica”, disse ela. Maduro é um importante aliado da Rússia, do Irã e da China.
Ao ser questionada sobre quanto tempo poderia permanecer escondida, María Corina disse que estava “trabalhando para que fosse o mais curto possível” e que esperava que todos os venezuelanos logo estivessem “reunidos em liberdade”:
— Mas estou disposta a fazer o que tem de ser feito, pelo tempo que for necessário, para afirmar a verdade e a soberania popular.
Fonte: Folha de Pernambuco.