A Justiça Federal deu prazo de 20 dias para que a União e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, apresentem suas manifestações sobre os gastos com viagens internacionais. A decisão, assinada pelo juiz Leonardo Tavares Saraiva, da 9ª Vara Federal Cível de Brasília, é parte de uma ação popular movida pelo vereador Guilherme Kister (Novo-PR) e pelo advogado Jeffrey Chiquini, que questionam o uso de recursos públicos para bancar os deslocamentos da esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de abrir o processo para o contraditório, o juiz negou o pedido de liminar que solicitava a suspensão imediata dos pagamentos de passagens, diárias e outros custos relacionados às viagens de Janja. Para o magistrado, não há, por ora, provas concretas de que os atos administrativos que autorizam tais despesas sejam ilegais ou lesivos ao erário.
A discussão reacende uma questão delicada e antiga: qual é, de fato, o papel institucional da primeira-dama em um governo? No Brasil, a figura da esposa do presidente nunca teve atribuições legais ou funções previstas na Constituição. Sua atuação, portanto, depende de acordos políticos, tradições e, muitas vezes, de sua própria disposição em participar de ações sociais ou representar o governo em agendas simbólicas.
Janja, no entanto, tem ido além do papel tradicionalmente reservado a primeiras-damas. Participa de reuniões estratégicas, aparece em eventos oficiais e tem feito declarações públicas sobre temas sensíveis, como a regulação das redes sociais. Recentemente, inclusive, defendeu essa pauta fora do país, em fóruns internacionais, o que gerou reações intensas da oposição e de parte da sociedade civil.
É legítimo que a primeira-dama tenha opinião e até atue em causas sociais. Porém, quando sua atuação começa a se confundir com a de agentes públicos eleitos ou nomeados oficialmente, é natural — e até saudável — que haja questionamentos. Especialmente quando essas ações implicam o uso de recursos públicos, viagens internacionais e discursos que reverberam além das fronteiras nacionais.
A transparência é o mínimo exigido de quem ocupa qualquer espaço com influência política, ainda que sem cargo formal. A sociedade tem o direito de saber quanto custa cada viagem, qual é sua relevância e se há interesse público envolvido. Da mesma forma, é necessário definir limites: até onde vai a representação simbólica da primeira-dama e onde começa a responsabilidade institucional que deveria caber apenas a autoridades investidas de mandato ou função pública?
Enquanto Janja ganha protagonismo e se posiciona em pautas de governo, inclusive propondo regulação do ambiente digital — tema que exige amplo debate técnico, jurídico e democrático —, seu papel permanece envolto em ambiguidade. Isso reforça a importância de um debate franco sobre os limites e deveres de quem ocupa cargos de influência no entorno presidencial.
É preciso evitar tanto a demonização quanto a romantização. O que se espera é equilíbrio, clareza nas funções e, acima de tudo, respeito aos princípios da administração pública. Afinal, ninguém está — ou deveria estar — acima do interesse coletivo.
Foto: Ricardo Stuckert/PR.