Há uma liturgia nos gestos da Justiça. O modo como o juiz senta, como ouve, como cala. O silêncio da toga, por vezes, diz mais do que uma sentença. O processo penal, quando legítimo, é cerimônia: cada figura em seu lugar, cada palavra com o peso que lhe cabe.
Mas, de uns tempos para cá, o juiz deixou de ser juiz. Tornou-se intérprete, inquisidor, protagonista do próprio espetáculo. Fala mais do que as partes, pergunta mais do que deveria, se adianta ao destino do processo como quem, diante de um espelho, ensaia falas que ainda não lhe cabem.
Essa semana, no Supremo Tribunal Federal, assistimos ao que parecia uma audiência, mas que os olhos mais atentos perceberam como encenação. O ministro Alexandre de Moraes, ao invés de se recolher à serenidade que a toga exige, atravessou o processo como personagem — e, o que é mais inquietante, como personagem central. Fez perguntas, conduziu depoimentos, e — ironia fina — virou ele mesmo objeto de interrogações feitas por ele sobre o que se dizia sobre a pessoa dele.
O Código de Processo Penal, com sua prosa tímida, já avisava no art. 212: as perguntas cabem às partes. Ao juiz, o papel de garantidor. Mas quando o julgador se esquece do papel e rasga o roteiro, não há mais cena possível. Só improviso.
E no improviso, perde-se o essencial: a confiança. Porque no teatro da justiça, a imparcialidade não é apenas virtude — é aparência. Quando ela se desfaz, o processo já não convence. Não por falta de provas, mas por excesso de vaidade.
Há, sim, uma estética do julgador. E não se trata de vaidade tola. É o cuidado com os gestos que não devem trair o espírito da lei. O juiz, afinal, não está ali para brilhar. Está para conter. Não para ser a voz mais alta — mas a mais contida.
E quando até isso se rompe, o que sobra é só palco. E a Justiça, ah, essa já saiu de cena.