Inicialmente, antes de adentrar propriamente no tema deste artigo de opinião, gostaria de pontuar que o presente texto não constitui um ataque pessoal ao prefeito Eduardo Honório ou aos integrantes da administração municipal. Tampouco constitui uma afronta à pretensão política do Prefeito do nosso Município. As considerações que aqui farei se resumem a analisar o ordenamento constitucional e o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à hipótese de inelegibilidade que, por acaso, pode alcançar o prefeito Eduardo, o impedindo de disputar, para o mesmo cargo, as eleições de 2024.
Particularmente, penso, estamos num momento civilizacional no qual é importante resgatar o debate acerca de ideias e instituições, discutindo como aprimorá-las em favor do bem comum. Pessoalizar excessivamente o debate público, seja no âmbito nacional, seja no âmbito municipal, acaba quase sempre por desgastar desnecessariamente vínculos sociais que transcendem a política, o que não é nada desejável. Portanto, para os eleitores peço que não alimentem nenhuma animosidade pessoal a partir das ideias aqui expostas. Decididamente não é esta a minha intenção.
Pois bem, conforme sabemos, a atual redação do art. 14, §5º, da Constituição da República, dispõe que o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.
Há, bem verdade, certa distinção entre os autores jurídicos quanto aos institutos da sucessão e da substituição, sendo aquela de ordem definitiva, isto é, quando o vice assume de forma efetiva o mandato do titular, enquanto a substituição se caracterizaria pelo caráter precário, temporário, eventual, da ascensão do vice ao cargo principal. Alguns argumentam, inclusive, que apenas a sucessão, por ser definitiva, acarretaria a inelegibilidade do vice para um terceiro mandato.
Ocorre, entretanto, que ao menos desde o julgamento do Recurso Extraordinário n. 756.053, realizado pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2013, a discussão acerca dos efeitos supostamente distintos da sucessão e da substituição se tornou infrutífera, pois, na oportunidade, a nossa Corte Constitucional asseverou que “no que respeita à aplicação do art. 14, § 5º, para o fim de permitir-se a reeleição, é improfícua a discussão da ocorrência de substituição ou sucessão”.
O próprio Ministro Ricardo Lewandowski, relator do RE 756.053, afirma em seu voto que para a Constituição, “tanto a sucessão quanto a substituição do titular são atingidas pelo limite constitucional de reeleição para um único período, conforme orientação jurisprudencial desta Suprema Corte”.
Portanto, regra geral, o vice-prefeito que substitui ou sucede o titular no decorrer do mandato para o qual foram eleitos poderá disputar a eleição imediatamente subsequente para o cargo de prefeito. Porém, caso eleito, não poderá disputar um terceiro mandato.
Como apontei em artigo anteriormente publicado, cujo link encontra-se disponibilizado ao final deste texto, a lógica constitucional por trás dessa vedação é possibilitar a consagração do princípio republicano, que na acepção aqui invocada busca empreender verdadeira alternância de poder, impedindo que um único indivíduo administre o respectivo Poder Executivo em três quadriênios consecutivos, ainda que em um deles não o tenha feito integralmente.
Bem verdade que a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como o Tribunal Superior Eleitoral, admitem exceções à regra acima referida. Contudo, de antemão, entendo que nenhum deles se aplica ao caso do prefeito Eduardo. Vejamos.
No ainda recente RE 1.346.398, julgado pelo STF em dezembro de 2021, a Corte entendeu que o segundo colocado de eleição municipal realizada em 2012, que por decisão judicial provisória, assumiu a titularidade do mandato por um breve período de tempo no primeiro ano do quadriênio 2013 – 2016, e que, pela posterior reforma desta decisão, veio a deixar o exercício do cargo, poderia disputar a reeleição para o cargo, uma vez tendo sido eleito prefeito, em 2016, para o quadriênio 2017 – 2020.
Neste caso específico, o Tribunal considerou que aceitar que uma decisão judicial precária, tal como aquela veiculada em provimentos cautelares, gere impedimento à reeleição de candidato que se vê obrigado a assumir a gestão municipal, seria admitir a possibilidade de interferência direta do Judiciário nas eleições, algo incompatível com a desejável separação de poderes que marca o nosso ordenamento constitucional. No mesmo sentido, aliás, cite-se o RE 1.158.612, julgado também em 2021 pelo STF, tendo sido relatora a Min. Carmen Lucia.
Interessante notar, aliás, que o próprio ministro Gilmar Mendes, relator do RE 1.346.398, conduz o seu voto no sentido de que não houve a superação do entendimento que prevaleceu a partir do RE 756.053. O que houve, em verdade, foi uma exceção à regra geral, a fim de evitar que indivíduo que tenha assumido a titularidade de mandato em virtude de decisão judicial seja impedido de disputar a reeleição. Como sabemos, não foi esse o caso do prefeito Eduardo, que no quadriênio 2017 – 2020 assumiu, em diversas oportunidades, a gestão municipal em virtude dos sucessivos afastamentos do saudoso Osvaldinho, então titular, não se aplicando, portanto, no caso Eduardo a exceção do RE 1.346.398.
Na jurisprudência do TSE extrai-se, também, outra famosa exceção à regra aqui tratada. No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 0600222-82.2020.6.15.0068, julgado em setembro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral reiterou o seu entendimento no sentido de que “vice que assume o mandato por sucessão ou substituição do titular dentro dos seis meses anteriores ao pleito pode se candidatar ao cargo titular, mas, se for eleito, não poderá ser candidato à reeleição no período seguinte’”. A contrario sensu, o que o Tribunal afirma é que o vice que não exerce a titularidade do mandato dentro do semestre que antecede as eleições poderia disputar a reeleição caso, evidentemente, tenha sido eleito no pleito imediatamente sequente.
Este também não é o caso do prefeito Eduardo, o qual, como sabemos, efetivamente exerceu, em diversas oportunidades, a titularidade do mandato nos seis meses que antecederam as eleições de novembro de 2020. Até há, é verdade, linha jurisprudencial relativamente consolidada no sentido de que caso não tenha existido a prática de atos de gestão dentro deste semestre anterior às eleições, poderia o vice em questão disputar a reeleição. Mas também não se trata de hipótese que se amolde ao caso do prefeito Eduardo, conforme se depura de diversos atos publicados no Diário Oficial do Município no período em questão, tais como portarias nomeando, exonerando e concedendo licenças para servidores, ou seja, atos típicos de gestão, facilmente verificáveis no caso em questão.
Veja-se, ainda, que pende no Supremo Tribunal Federal o tema 1229, com repercussão geral conhecida, a fim de determinar “se a substituição do titular da chefia do Poder Executivo, por breve período, em virtude de decisão judicial, é causa legítima da inelegibilidade (ou irreelegibilidade) para um segundo mandato consecutivo da qual trata o art. 14, § 5º, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda de n. 16/1997”.
Não acredito, particularmente, que a discussão em questão tenha pertinência para o caso Goiana, pois, como assegurei anteriormente, não se trata da situação fática que envolve o prefeito Eduardo.
Por fim, para que este artigo tenha uma finalidade propositiva, e não meramente opinativa, reitero aqui a sugestão que fiz no artigo cujo link se situa ao final deste texto, no sentido de que as lideranças políticas goianenses interessadas em saber acerca da possibilidade ou não do prefeito Eduardo disputar a reeleição poderiam apresentar, desde logo, Consulta perante o Tribunal Regional Eleitoral ou, quem sabe, perante o próprio Tribunal Superior Eleitoral.
Conforme o art. 30 do Código Eleitoral, inciso VIII, compete aos Tribunais Regionais Eleitorais responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político. O art. 130 do Regimento Interno do TRE-PE, por exemplo, estabelece o seguinte procedimento para a Consulta: o relator, após verificar o preenchimento dos requisitos legais e regimentais, determinará o encaminhamento da consulta ao Procurador Regional Eleitoral, para parecer no prazo de três dias; o relator poderá determinar, antes do pronunciamento do Ministério Procurador Regional Eleitoral, que a Secretaria Judiciária do Tribunal preste, sobre o assunto consultado, as informações disponíveis em seus registros; após a manifestação do Procurador Regional Eleitoral, o relator, no prazo de cinco dias, apresentará a questão em sessão plenária e proporá ao Tribunal a solução que entenda cabível.
Ainda que a resposta à Consulta não tenha caráter vinculante, serve para orientar a ação dos órgãos da Justiça Eleitoral, podendo servir de fundamento para decisões nos planos administrativo e judicial, podendo, a depender do caso, servir para clarificar aos atores políticos interessados quem realmente poderá ou não ser candidato, ajudando a definir a configuração de chapas majoritárias e até mesmo proporcionais, visto a importância daquelas para a formação destas dentro de qualquer contexto político, inclusive municipal.
Por estas razões, entendo que a jurisprudência da Corte Suprema e do TSE não favorecem a pretensão do prefeito Eduardo de disputar a reeleição em 2024, respeitados, evidentemente, eventuais posicionamentos em sentido contrário.
Miquéias Filipe Rodrigues é acadêmico de Direito, atualmente cursando o 10º período da graduação. Aprovado no XXXV Exame de Ordem. Interessado em Direito Processual Penal, Direito Penal Militar, Direito Eleitoral e na jurisprudência dos Tribunais Superiores. É aluno da pós-graduação em Filosofia do Direito. Publica rotineiramente na plataforma online JusBrasil (https://miqueiasfdireito.jusbrasil.com.br). Fluente em espanhol.