Um dos pontos inseridos no projeto de reforma do Código Civil, que deve começar a tramitar no Senado em breve, é a ampliação dos direitos relacionados aos animais e a forma como eles são reconhecidos juridicamente. De acordo com alguns juristas, porém, há certa desconfiança se essas modificações poderiam abrir espaço para as chamadas “famílias multiespécies”.
No texto já conhecido da proposta, os animais são citados pouco mais de uma dezena de vezes. Na primeira delas, inserida no art. 19, eles, por exemplo, ganham o status de integrantes do “entorno sociofamiliar da pessoa”, algo que inexiste no atual Código Civil.
– A afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa, podendo dela derivar a legitimidade para a tutela correspondente desses interesses e pretensão reparatória de danos – diz o artigo em questão.
Em outro ponto da proposição, os animais chegam a receber uma seção inteira dentro da parte do Código Civil que trata sobre os bens. Nesse ponto, que seria inédito, os animais passam a ser classificados como “objetos de direito” e “seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”.
O parágrafo 3° do art. 91-A, que faz parte dessa seção, reforça ainda que “da relação afetiva, entre humanos e animais, pode derivar legitimidade para a tutela correspondente de interesses, bem como pretensão reparatória por danos experimentados por aqueles que desfrutam de sua companhia”.
Os pets aparecem ainda na parte da reforma que trata sobre o casamento e a dissolução do matrimônio. Nesse ponto, mais especificamente no parágrafo 2° do art. 1566, é dito que os ex-cônjuges e ex-conviventes devem “compartilhar as despesas destinadas à manutenção dos animais de companhia”, obrigação que o novo código já aplicaria aos filhos do ex-casal.
ESPECIALISTAS FALAM EM “ABERRAÇÃO JURÍDICA”
Ao site do jornal Gazeta do Povo, a advogada e consultora jurídica Katia Magalhães diz que parece existir na proposta uma analogia entre animais de estimação e filhos. Ainda segundo ela, caso o novo entendimento prevaleça, os animais poderiam ganhar personalidade jurídica, o que seria uma “aberração”.
– Estão tentando fazer uma comparação entre os pets e a prole menor [filhos menores de idade]. Haveria toda uma reestruturação processual, porque hoje um pet não tem personalidade jurídica (…). A prevalecer esse novo entendimento para o Código Civil, dando personalidade jurídica aos pets, eles se fariam representar pelo seu humano tutor (…). Seria mais uma aberração jurídica – diz.
A advogada destaca também que as modificações poderiam fazer com que ocorresse uma normalização progressiva do conceito de família multiespécie e, “no auge, a abertura para a possibilidade de um matrimônio interespécie”.
A opinião de Magalhães é endossada por Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, que diz que a proposta de reforma do Código Civil pode ter como efeito a ampliação do “conceito de família para animais não humanos”.
– Se efetuada, essa mudança significaria um enfraquecimento do conceito de família, já bastante combalido nos dias atuais. Ao se “humanizar” os animais, corre-se o risco de “desumanizar” a família – conclui.