O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), colocou na pauta de julgamentos da Segunda Turma, nesta terça-feira (7), a decisão dada por ele próprio para restabelecer o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR). O parlamentar foi cassado em outubro do ano passado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por divulgar supostas notícias falsas sobre as urnas eletrônicas nas eleições de 2018.
O movimento de Nunes Marques, que é presidente da Segunda Turma, cria uma situação inusitada no STF. Isso porque o ministro Luiz Fux, presidente do tribunal, já havia convocado uma sessão extraordinária no plenário virtual, também para esta terça, para julgar o caso.
Logo após Nunes Marques suspender a ordem do TSE e restabelecer o mandato de Francischini, ministros o procuraram para pedir que o assunto fosse levado ao plenário, onde teriam chances de derrubar a decisão.
Relator do caso, Nunes Marques discordou, mas sugeriu a possibilidade de o processo ser analisado pela Segunda Turma do Supremo, o que, enfim, ocorreu nesta segunda.
O processo pautado na Segunda Turma é diferente do que está marcado no plenário virtual, mas na prática ambos tratam do mesmo assunto: o restabelecimento ou não da cassação de Francischini.
Até segunda ordem, os dois julgamentos seguem previstos para ocorrerem em paralelo.
A Segunda Turma precisa decidir se referenda a decisão monocrática de Nunes Marques, que atendeu a um pedido de Francischini e suspendeu o julgamento do TSE. Um dos principais argumentos usados pelo ministro foi o de que o Tribunal Superior Eleitoral inovou ao considerar as redes sociais como “meio de comunicação”, equiparando as plataformas aos meios tradicionais, como jornais, rádio e televisão, e que o precedente não poderia ter sido usado para uma eleição passada.
No plenário virtual, os ministros vão analisar um pedido urgente do deputado estadual Pedro Paulo Bazana (PSD-PR), que entrou no lugar de Francischini na Assembleia Legislativa do Paraná, para o STF restabelecer a cassação.
O julgamento do mandado de segurança está previsto para durar apenas um dia, com início às 0h da próxima terça e término às 23h59. A ação apresentada foi enviada por sorteio ao gabinete da ministra Cármen Lúcia, que pediu o envio do processo direto ao plenário, sob o argumento de que haveria “a necessidade de urgente análise” do caso pelos demais ministros, mesmo que em caráter provisório.
Uma terceira variável é que o julgamento no plenário virtual pode ficar esvaziado se houver uma decisão na Segunda Turma sobre o mérito da liminar de Nunes Marques. Nesse caso, há risco de “perda do objeto”. Ou seja, a análise do mandado de segurança perderia o sentido porque a decisão monocrática teria passado pelo colegiado. A Segunda Turma é composta ainda pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e André Mendonça.
A liminar de Nunes Marques criou desconforto entre os colegas e a tendência é que os ministros derrubem a decisão, fazendo valer o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, considerando um precedente inédito contra a disseminação de fake news por candidatos e políticos. O ministro Alexandre de Moraes, que irá comandar o TSE a partir de outubro, já disse que a posição da Justiça Eleitoral é “clara” e será aplicada nas eleições.
No diagnóstico de magistrados ouvidos reservadamente pelo Estadão, Nunes Marques concedeu a liminar a Francischini para ganhar ainda mais pontos com o presidente Jair Bolsonaro (PL), que o indicou para o STF. Apesar das divergências, os ministros tendem a evitar ataques ao colega para que o episódio não se transforme em nova crise.
ESCUDO
Três ministros do Supremo votaram pela cassação de Francischini quando o caso foi a julgamento no TSE, em outubro. O então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, disse que o deputado invocou a imunidade parlamentar como “escudo para defender uma falsidade”. Barroso destacou que tal direito “não pode acobertar a mentira deliberada”.
Na ocasião, o magistrado disse ser a favor da perda de mandato por entender que a condescendência com esse tipo de comportamento poderia comprometer as eleições deste ano.
Além de Barroso, os atuais presidente e vice-presidente do TSE, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, respectivamente, também foram firmes ao defender a cassação de Francischini. Moraes disse ter ficado evidente nos atos de Francischini o uso indevido das redes sociais para disseminação de notícias falsas. Ele chegou a citar a possibilidade de prisão para quem espalhasse desinformação e discurso de ódio sobre o processo eleitoral.
Na decisão favorável a Francischini, Nunes Marques também argumentou que não haveria instrumentos para medir o impacto da transmissão ao vivo realizada pelo então candidato a deputado no dia das eleições com acusações, sem provas, de fraude nas urnas eletrônicas.
O ministro buscou contemporizar a divergência com os colegas dizendo que compreendia e compartilhava das preocupações do TSE sobre uso irregular das redes sociais nas eleições. Argumentou, porém, que “não há como criar-se uma proibição posterior aos fatos e aplicá-la retroativamente”.
A cassação de Francischini serviu como trunfo ao TSE no combate à desinformação e passou a ser encarada no meio jurídico como exemplo de contenção das notícias falsas. O deputado estadual foi o mais votado do Paraná em 2018 e o primeiro a ser cassado pela Justiça Eleitoral por propagar mentiras sobre o sistema eleitoral, a partir do uso indevido de mídias digitais.
A sessão do TSE que sacramentou a perda do mandato de Francischini foi marcada por duros recados ao Palácio do Planalto, com a sinalização de que não seria tolerado um novo episódio de ataque frontal às urnas eletrônicas.
*AE