O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes votou na última sexta-feira, 22, para ampliar o alcance do foro privilegiado de autoridades na Corte. No entendimento do magistrado, a prerrogativa de função deve ser mantida mesmo após o fim do mandato de políticos, em casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros motivos. O voto do decano foi seguido pelo ministro Cristiano Zanin, mas o julgamento foi paralisado após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
Em seu voto, o ministro — que é relator do caso — também defendeu que, ao fim do mandato, os investigados com foro devem perder a prerrogativa de função caso os crimes tenham sido praticados antes de assumir o cargo ou não possuam relação com o exercício da função.
“Proponho que o Plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício; quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções”, escreveu o ministro.
O caso analisado pelo plenário virtual é um habeas corpus movido pela defesa do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por supostamente, enquanto foi deputado federal, ter ordenado que servidores de seu gabinete devolvessem 5% de seus salários para o PSC, então seu partido. Ele é réu pelo crime de concussão, mas a defesa argumenta que o caso deve ficar no STF porque desde 2007 ele exerce cargos com foro privilegiado, antes de ser senador. O parlamentar nega os crimes.
Quando restringiu o foro privilegiado, em 2018, o Supremo decidiu que deveriam tramitar na Corte somente casos de deputados e senadores que tivessem cometido crimes durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Antes, qualquer inquérito ou ação penal contra parlamentares, mesmo anteriores ao mandato, eram transferidas para o tribunal.
Desse modo, caso o investigado perca seu mandato, o processo sai do STF e é enviado para a primeira instância. Só continuam no Supremo as ações que já estiverem em estágio avançado, quando o réu já foi intimado para apresentar sua defesa final.
Gilmar discorda do entendimento atual. Em seu voto, o magistrado argumenta que a restrição do foro privilegiado foi adotada a partir de argumentos equivocados.
“A compreensão anterior, que assegurava o foro privativo mesmo após o afastamento do cargo, era mais fiel ao objetivo de preservar a capacidade de decisão do seu ocupante. Essa orientação deve ser resgatada”, escreveu.
Para o ministro, o sistema atual “é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça”. No início de seu voto, o magistrado observa que “poucos temas despertam tantas paixões quanto a instituição de foros especiais para titulares de cargos públicos”. “Prevista em diversos países, a prerrogativa de foro assegura a certos agentes o direito de serem julgados por órgãos específicos do Poder Judiciário, afastando as regras comuns de competência em matéria penal. A ideia é preservar o interesse da sociedade no sentido de que esses agentes possam exercer livremente suas funções, protegidos contra pressões indevidas, com ampla autonomia”, destacou.
Ao tratar especificamente do caso de Zequinha Marinho, Gilmar Mendes afirma que “considerando que a própria denúncia indica que as condutas imputadas ao paciente foram praticadas durante o exercício do mandato e em razão das suas funções, concedo ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para processar e julgar a ação”. Por fim, o ministro escreve:
“Voto para fixar a seguinte tese: a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
O magistrado ainda propõe “a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso”. Após o relator, os demais ministros têm até o dia 8 para votar. Nada impede, porém, que essa análise seja interrompida por um pedido de vista ou de destaque – o que levaria a discussão para o debate presencial.
Como é atualmente no STF
A restrição do foro privilegiado em 2018 foi motivada por uma questão de ordem apresentada pelo atual presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em uma ação penal. No julgamento, o posicionamento do ministro, favorável à restrição, foi seguido pelos ministros Celso de Mello e Rosa Weber, hoje aposentados, além de Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux. Barroso, na época, apontava para uma sobrecarga do Supremo com ações penais envolvendo pessoas detentoras de foro, e criticava idas e vindas que levavam a prescrições de penas.
No julgamento, que se arrastou ao longo de meses, uma outra corrente reuniu ministros que achavam que a restrição deveria ser menor. Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski (hoje ministro da Justiça) reconheciam a competência do STF para julgamento de parlamentares federais nas infrações penais comuns, após a diplomação, independentemente de ligadas ou não ao exercício do mandato. Dias Toffoli e Gilmar Mendes, por outro lado, defenderam que a restrição do foro por prerrogativa de função seria incompatível com a Constituição.
Fonte: O Globo.
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