A Câmara dos Deputados barrou cerca de R$ 1,6 milhão em gastos feitos por parlamentares entre 2023 e 2024. Os deputados queriam que a Casa legislativa reembolsasse despesas como estacionamento de helicóptero particular, abastecimento de jatinho próprio e até multa por atraso em pagamento de contas.
Na Câmara, cada deputado tem direito a uma verba que varia entre R$ 36 mil e R$ 51 mil para despesas no exercício do cargo, dependendo do quão distante seu Estado está de Brasília. O parlamentar faz o gasto e entrega a nota fiscal para a Casa legislativa, que tem uma equipe técnica para analisar os registros e definir se vai efetuar o reembolso ou bloquear o valor. Desde fevereiro deste ano, além da verba parlamentar, deputados federais recebem R$ 44.008,52 mensais de salário.
O deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) foi um dos que tiveram nota rejeitada pela Câmara e reclama. “R$ 9 mil por mês para o cidadão comum é muito dinheiro. Mas para um parlamentar atuante, isso não é nada”, diz. Ele se refere ao limite de R$ 9,3 mil que cada um dos 513 deputados pode usar por mês para cobrir gastos com combustível. Bacelar também usa o benefício para abastecer seu próprio avião bimotor e afirma que gasta cerca de R$ 50 mil mensais para manter a aeronave que, segundo ele, é usada em atividade parlamentar.
Na análise das notas, a Câmara pode se recusar a reembolsar os valores quando eles ultrapassam o limite dos gastos, quando apresentam despesas que não estão cobertas pela verba parlamentar ou quando não há comprovação do valor cujo reembolso foi solicitado. Por conta de valores acima do limite, a Casa já barrou reembolsos para gastos com telefonia, manutenção de escritório, divulgação de atividade parlamentar e passagens aéreas.
A Câmara, porém, não divulga a justificativa para impedir o ressarcimento de cada uma das notas. Procurada, a Casa se recusou a fornecer detalhes desse processamento e não quis esclarecer se os deputados e seus assessores são orientados previamente sobre como não abusar do pedido de reembolso com base na cota parlamentar. A assessoria sugeriu que fosse encaminhado um pedido formal com base na Lei de Acesso à Informação, o que permitiria à instituição só responder em 30 dias.
Organizações que trabalham com transparência e anticorrupção criticam a decisão da Câmara e dizem que postura prejudica a transparência. “É um problema muito simples de resolver que não deveria nem existir”, avalia Marina Atoji, do Transparência Brasil.
“A Lei de Acesso à Informação não foi criada para servir como escudo para obstruir o fornecimento de informações. A Câmara deveria informar”, afirma Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, mencionando a importância de o cidadão ter acesso a essas informações. “Existem brechas no controle. Há situações detectadas e outras que podem não ser detectadas.”
Como revelou o Estadão, há casos de pedidos de reembolso irregular que acabam passando despercebidos pelo sistema de análise das notas fiscais. O deputado Pedro Aihara (PRD-MG), por exemplo, teve gastos com bebidas alcoólicas pagos pela Câmara, mas o reembolso desse tipo de despesa é vedado pelas regras da Casa.
Aihara alegou erro técnico, a Câmara reconheceu a falha e notificou o deputado, que devolveu o valor que tinha sido ressarcido.
Deputados ultrapassam limite de gastos da cota e usam recurso para aluguel de carro de R$ 17 mil e estacionamento de helicóptero particular
O deputado Lula da Fonte (PP-PE) foi o parlamentar que teve o maior valor de reembolso bloqueado pela Casa no período analisado. Foram R$ 61,4 mil barrados entre 2023 e 2024. Parlamentar de primeiro mandato, ele alugou um Mitsubishi Pajero no valor de, aproximadamente, R$ 17 mil e pediu o ressarcimento do valor algumas vezes. No entanto, deputados têm um limite de R$12.713 para gastos com aluguel de automóveis.
Procurado, ele diz que o veículo é blindado e que não tem nada de errado no reembolso. “Pago mais de R$ 4 mil por mês do meu próprio bolso”, afirma.
Como mostrou o Estadão, em janeiro de 2023, em campanha para se reeleger no comando da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) reajustou o repasse da cota parlamentar e aumentou o limite para gasto com combustíveis para R$ 9.392. Mesmo assim, a Câmara barrou R$ 40,9 mil nessa modalidade de gasto apenas em 2024. Esses impedimentos ocorreram, em sua maioria, em razão de parlamentares que gastaram acima do limite.
É o caso de João Carlos Bacelar, que teve o maior valor retido neste período. A Câmara barrou R$ 4.671,15 dele, que usa a cota parlamentar para abastecer o próprio avião bimotor. “De um ponto a outro da Bahia você tem quase mil quilômetros em linha reta. Percorro o Estado da Bahia de avião”, diz ele, justificando o uso do avião para o trabalho parlamentar.
O deputado diz que o valor de R$ 1,6 milhão barrado pela Câmara, considerando os 513 parlamentares “não é nada”. “Eu gasto 50 mil por mês, do meu bolso, para atividade parlamentar”, afirma Bacelar, que está no quinto mandato.
Como mostrou o Estadão, quando ainda era deputado federal, Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), à época do União Brasil, gastou R$ 200 mil reais da cota parlamentar da Câmara ao longo de cinco anos para comprar combustível num posto de gasolina de um sócio dele mesmo.
Na lista de despesas não pagas pela Câmara está ainda o valor de R$ 1.250 da deputada Magda Mofatto (PRD-GO). Ela usa a cota parlamentar para custear um serviço mensal de estacionamento de seu helicóptero particular e um atendimento aeroportuário pernoite de dois dias também para a aeronave.
A deputada estourou o limite mensal imposto de R$ 2.700 pela Câmara para o pagamento de táxi, estacionamento ou pedágio em março e abril em razão de seu helicóptero particular.
O gabinete da deputada informou que o impedimento foi feito em relação ao valor limite, mas a parlamentar não respondeu se avalia ser excessivo pedir para a Câmara reembolsar gastos com estacionamento de helicóptero.
Reembolso até de multa por atraso em pagamento de boleto
Entre as notas barradas pela Câmara, há R$ 184 mil apenas no pagamento de contas telefônicas. Segundo servidores da Casa, há casos em que a conta deixa de ser paga na data do vencimento e quando a nota é apresentada com pedido de reembolso, o parlamentar inclui o valor da multa por atraso, o que a Câmara não aceita. O Estadão encontrou o caso de uma nota que teve R$ 9 “glosados” (não pagos) porque esse valor se referia à multa por atraso.
Em meio deste ano, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) pediu reembolso de R$ 12 mil da Câmara sobre gasto relativo ao uso da manutenção de seu perfil nas redes sociais. A Câmara barrou R$ 9,6 mil.
Procurado, o gabinete do deputado informou o motivo. Segundo a equipe, a devolução ocorreu em razão de o deputado ter permanecido apenas cinco dias de maio como parlamentar, já que ele pediu licença para se dedicar à campanha à prefeitura de Niterói (RJ). Assim, a Câmara o ressarciu em um valor proporcional ao tempo em que ele permaneceu no exercício da função.
Em fevereiro, o deputado Átila Lins (PSD-AM) pediu reembolso de uma passagem aérea no valor de R$ 21,8 mil. A Câmara barrou o pagamento desse valor e o deputado pediu sigilo da nota fiscal. Procurado, ele não se manifestou.
Do Estadão