Um estudo citado pela Nasa – agência pública espacial dos Estados Unidos – repercutiu nos últimos dias na imprensa brasileira ao prever que áreas do Brasil poderiam ficar inabitáveis até 2070 devido ao calor extremo provocado pelas mudanças climáticas.
Liderada pelo cientista Colin Raymond, a pesquisa foi publicada em 2020 na Science Advances, uma das mais respeitadas revistas científicas do mundo. Porém, no estudo original não aparece o Brasil.
Em março de 2022, um blog da Nasa repercutiu o estudo com Colin, que é funcionário da agência espacial. O texto do blog cita o Brasil como uma das regiões vulneráveis aos calores mortais.
No estudo original, foram mapeados eventos de calor extremo, entre 1979 e 2017, nos quais a umidade do ar alta e as temperaturas acima de 35ºC impedem que o suor atue resfriando nosso corpo, trazendo risco de morte para as pessoas.
O climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas brasileiros sobre o tema, disse que esse estudo é muito conhecido no meio científico e que previsões como essas começaram a ser feitas desde 2010, pelo menos.
– Já avançamos muito nessas pesquisas. Hoje, esses limites estão muito melhor computados e esse artigo dos estudos da Nasa de 2020 se tornou muito importante. E não é só o Brasil, tá? É uma imensa parte das regiões tropicais e até mesmo latitudes médias que podem ficar inabitáveis se a temperatura chegar nesse nível de 4ºC ou mais – afirmou o cientista em entrevista à TV Brasil.
Os 4ºC a mais citados por Nobre se referem a uma temperatura acima da média dos níveis pré-industriais. Para evitar chegar nesse ponto, o Acordo de Paris se comprometeu a combater o aquecimento global “em bem menos de 2ºC acima dos níveis pré-industriais”, buscando preferencialmente limitá-lo a 1,5ºC acima dos níveis antes da revolução industrial.
Para o líder científico em Soluções Climáticas Naturais da The Nature Conservancy (TNC), Fernando Cesario, o estudo citado pela Nasa antecipa – para daqui a 30 ou 50 anos – o aumento da ocorrência de eventos extremos, com calor que pode levar à morte.
– Os estudos antigos mostravam que a gente só ia atingir esses níveis daqui a 100 anos, daqui a 200 anos. E o que ele mostra é que essa probabilidade, essa janela de perigo, de ter áreas muito quentes e úmidas, está mais próxima do que a gente imaginava – completou.
O geógrafo citou que as áreas no país com mais probabilidade de registrar eventos de calor fatal são as regiões costeiras brasileiras; as áreas muito urbanizadas como Rio de Janeiro e São Paulo, onde há muito asfalto; áreas próximas de grandes lagos ou baías, como a Baia de Todos-os-Santos, na Bahia; e em volta do Rio Amazonas, onde a evaporação da água é muito alta.
NOTÍCIAS ALARMANTES
O líder científico da TNC, organização não governamental ligada à preservação ambiental, Fernando Cesario, avalia que o estudo é embasado, mas que as manchetes da mídia brasileira exageram os dados repassados pela Nasa.
– Achei as notícias muito alarmantes. Essas ocorrências que ele mediu são localizadas, não pega o Brasil inteiro, pega algumas faixas dentro do território e duram menos de duas horas, porque o clima é muito dinâmico. Isso não invalida a emergência climática que estamos vivendo – afirmou.
– [O estudo] mapeou eventos pontuais e de menos de duas horas. Mas se a gente continuar jogando CO2 para atmosfera e o planeta aquecendo, é muito provável que aumente a frequência desses eventos e seu tempo de duração. Isso traz risco para a saúde humana – completou.
CALOR EXTREMO
O levantamento do cientista norte-americano mostrou que, em 40 anos, triplicou o número de casos de calor extremo que podem levar à morte devido a alta umidade. Regiões como Paquistão, Oriente Médio e o litoral do sudoeste da América do Norte estão entre as que mais registraram esses momentos de calor extremo.
Ainda segundo Nobre, se o aquecimento da Terra não for revertido, além dos gases que emitimos com fábricas, carros e aviões, os oceanos e as geleiras poderiam emitir quantidades enormes de gases que elevariam a temperatura a 8º ou 10ºC acima dos níveis pré-industriais a partir do ano de 2100.
– Com isso, praticamente o planeta todo se torna inabitável. Os únicos lugares habitáveis para o corpo humano serão o topo de montanhas como os Alpes, a Antártica e o Ártico – alertou.
O especialista Carlos Nobre destacou que a alta umidade e o calor podem estressar o corpo e levar à morte.
– Nessas situações-limite, uma pessoa muito idosa ou um bebê resistem só meia hora. Uma pessoa adulta pode morrer em duas horas. Se durar um pouquinho mais que duas horas, ainda assim, vai ficar muito doente. Então, este é o estresse térmico que o estudo mostra, que pode tornar uma região inabitável – completou.
Segundo Nobre, a redução drástica na emissão de gases do efeito estufa está entre as ações que o Brasil e o mundo devem tomar para reduzir o aquecimento da Terra. Outra medida ressaltada por ele é a proteção das florestas, das matas em volta dos rios e lagos e o reflorestamento.
Fonte: Pleno News.